Valena – Capítulo 15

Publicado em 05/06/2018
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15. Bola Fora

Valena odiou a princesa Joara Zafir.

A fulana era inimaginavelmente bonita, tinha um corpo soberbo e movia-se com confiança e elegância, lançando a todos um sorriso brilhante, como se não tivesse nenhuma outra preocupação no mundo.

Seus cabelos eram muito, muito volumosos e caíam pelas costas até abaixo da cintura, amarrados em diversos pontos por fitas douradas, que causavam um grande contraste com os fios negros e brilhantes. Como se só aquilo não fosse suficiente para causar inveja em qualquer mulher, ela também tinha um rosto suave, em forma de coração, com lábios carnudos. Algum tipo de pintura escura delineava o formato dos grandes olhos negros, dando-lhe um ar exótico.

E, falando em exótico, que roupas eram aquelas? Havia uma espécie de manto que a cobria do pescoço aos tornozelos, que seria muito elegante, se não fosse quase que completamente transparente, deixando entrever trajes que Valena não saberia descrever, exceto pelos detalhes mais óbvios: eram da cor azul e apertados a ponto de delinear cada curva do corpo da outra, curvas que ela tinha até demais, diga-se de passagem, e escandalosamente curtos, deixando muita pele à mostra, incluindo o colo, a barriga e boa parte das coxas. E aqueles volumes enormes não podiam ser gerados só pelos peitos dela, podiam?

Queriam mesmo que acreditasse que essa… essa fret à sua frente tinha apenas 17 anos?!

De qualquer forma, se fosse para definir a moça com uma palavra, Valena escolheria “lasciva”. Nunca havia pensado nesse tipo de coisa só de olhar para outra pessoa do sexo feminino antes, e essa constatação serviu apenas para aumentar ainda mais a animosidade que sentia.

Ah, claro, e não podíamos esquecer das joias. A princesa estava praticamente coberta de ouro. Nos pulsos, nos braços, nos tornozelos, na cintura, no pescoço, sobre a cabeça e até mesmo nas fitas do cabelo. Valena tinha certeza que, se fosse noite, a infeliz brilharia tanto quanto os cristais de luz contínua das paredes do palácio. Além de ouro, havia vários tipos de pedras preciosas na tiara e nos colares. Era a imagem da opulência.

Para tornar aquela cena ainda mais surreal, a princesa possuía uma escolta de tirar o fôlego. Oito guerreiros, todos do sexo masculino e usando trajes similares aos dela, mas sem as joias e carregando espadas curvas na cintura. Oito homens maravilhosos, altos, musculosos e absolutamente lindos.

Ver aquela princesa entre aqueles garotões sarados, todos usando mantos transparentes, fez com que Valena se lembrasse de uma das cenas que tanto tinha apreciado naquele bordel, tantos anos antes.

O divertimento causado por aquela lembrança inesperada fez com que Valena sorrisse. Por alguma razão, imaginar a outra numa situação que muitos consideravam degradante, a acalmou e restaurou-lhe a confiança. Até mesmo esqueceu-se do próprio traje que, apesar de ser da mais alta qualidade e um pouco imponente, não passava de um manto vermelho simples, sem nenhum adereço ou opulência.

Lembrou-se de que era a futura imperatriz de Verídia, e nenhuma roupa ou joia – ou ausência dela – mudaria esse fato.

As duas se cumprimentaram polidamente e acenaram para a multidão, que aplaudia com entusiasmo. A seguir, foi a vez dos discursos.

Joara Lafir falou à multidão que estava honrada com a oportunidade de fazer esta visita e estreitar os laços entre ambos os países. Agradeceu a forma respeitosa e hospitaleira com que foi recebida e prosseguiu com diversas outras formalidades do gênero.

Valena não prestou muita atenção ao discurso obviamente ensaiado, mas ficou impressionada com a voz suave e a forma clara e objetiva como a outra se expressava. A língua que os chalandrinos falavam era um pouco diferente, como se fosse uma versão mais floreada do idioma veridiano. A princesa tinha um sotaque acentuado e apresentava clara dificuldade em pronunciar algumas palavras, mas sua simpatia foi suficiente para conquistar o público.

Quando tomou a palavra, Valena decidiu deixar de lado o discurso que ela também havia ensaiado. Tinha tantos sentimentos dentro de si no momento que ficaria louca se não os extravasasse. Então falou com paixão sobre Verídia e sobre tantas coisas que havia aprendido durante aqueles longos meses em que vinha sendo treinada para assumir o trono. Discursou sobre as pessoas que havia conhecido, sobre a forma alegre como havia sido recebida não importava onde fosse e sobre a natureza irreverente, positivista e trabalhadora daquele povo. Reiterou sua determinação em ser uma governante digna e cuidar tão bem do país quanto ele vinha cuidando dela. Em seguida, estendeu aquela determinação também às relações com Joara e Chalandri. No que dependesse dela, ambos os países teriam um longo e benéfico relacionamento.

Se o discurso de Joara tinha recebido uma ovação, o de Valena fez a multidão ir ao delírio. Muitas pessoas nem mesmo tentavam ocultar as lágrimas. Mas o que mais a deixou orgulhosa foi o olhar de admiração que a princesa de Chalandri lançou a ela.

Quando ambas se abraçaram para fechar, simbolicamente, aquele acordo de cooperação mútua, a princesa não lhe parecia mais como uma oponente a ser temida e odiada.

Mas, de qualquer forma, continuava não gostando dela.

Joara tomou a palavra mais uma vez para anunciar que permaneceria no império por um período indefinido a partir de agora, e que pretendia estudar a cultura e os costumes do povo veridiano e que não existia melhor forma de fazer isso do que vivendo entre eles.

Aquilo pegou Valena de surpresa. Ela olhou para Sileno Caraman, que apenas assentiu, respondendo silenciosamente a sua pergunta. Pelo visto, aquilo havia sido combinado de última hora, pois ninguém lhe dissera nada. Qual o problema? Não confiavam nela o suficiente para lhe deixarem saber de algo tão importante com antecedência?

O imperador fez um breve discurso, no qual não acrescentou nada de novo. Além das formalidades, ele apenas pediu para que ambas as “meninas” trabalhassem com afinco para trazer paz e prosperidade para seus povos.

Valena ficou chateada por algum tempo, mas esqueceu-se completamente de sua contrariedade quando as festividades foram anunciadas. Boa comida, bebida, danças, apresentações de habilidades místicas e combates simulados. Tudo o que Valena mais gostava reunido num só lugar. Foi uma das tardes mais divertidas de sua vida até então.

Chegou então a vez da própria Valena se apresentar, fazendo uma exibição de seus poderes e dos frutos de seu treinamento. Começou efetuando um kata individual com a espada, demonstrando toda a sua agilidade. A multidão pareceu ficar impressionada, mas o que o povo mais gostou foi quando ela deu algumas voltas no céu sobre a praça, usando a forma da Fênix.

Quando ela voltou a pousar, o capitão Dario Joanson se aproximou dela e a cumprimentou, educadamente, antes de dirigir a palavra à multidão, solicitando a presença do aspirante Evander Nostarius.

Nada daquilo estava no programa original, mas Valena decidiu não dizer nada e apenas permanecer por ali para ver o que aconteceria. Evander estava muito diferente de quando ela o vira pela primeira vez, no dia em que recebera a marca da Fênix. Agora ele parecia mais sério, mais confiante… e ainda mais atraente do que antes.

Ele também havia ganho o invejável primeiro prêmio em um dos principais torneios de artes marciais da Província Central. Por isso, quando o capitão Joanson sugeriu um combate amistoso entre ele e Valena, a multidão ficou muito excitada.

– O que me diz, alteza? – Joanson perguntou, sua voz amplificada percorrendo toda a extensão da praça e sendo ouvida por todos os presentes. – Ultrapassar as defesas do aspirante Nostarius seria a forma perfeita de demonstrar os resultados do seu treinamento com a Guarda Imperial. Luta amistosa um contra um, que tal?

O aspirante podia ser o filho do general, mas ela vinha treinando com a Guarda Imperial quase todo dia durante mais de um ano, além disso tinha os poderes da Fênix. Não tinha com o que se preocupar, tinha?

Confiante, ela sorriu e sacou a espada. Sem saber que estava para sofrer a maior humilhação de sua vida.

Evander utilizava um bastão místico, com propriedades de aumentar e diminuir de tamanho, além de absorver e repelir impactos.

A espada e o bastão eram dois tipos de arma muito diferentes. Isso dependia muito da perícia de ambos os oponentes, mas o usuário de bastão geralmente possuía uma grande vantagem numa luta como esta. Mas quando o uso de habilidades especiais era permitido, essa vantagem se tornava mínima, quase inexistente, a luta sendo decidida apenas pelo nível de resistência física e afinidade mística de cada um.

Valena ativou sua arma flamejante, intensificou sua força e reflexos ao máximo e partiu para o ataque, aplicando seus golpes mais poderosos.

Que não tiveram efeito nenhum.

Às vezes era como golpear o vento, uma vez que Evander conseguia prever e se esquivar da maioria de seus ataques com uma facilidade enfurecedora. E quando ele não conseguia se esquivar, era como golpear um muro de pedra, pois os bloqueios que ele conseguia fazer com aquele waxtar lahayn daquele bastão pareciam impenetráveis.

Após o primeiro minuto, Valena já estava ofegante. Lembrou-se então de suas lições sobre controle da respiração e mudou a estratégia dos ataques, assumindo um ritmo menos intenso, mas bem mais preciso. Muitas das pessoas na multidão começaram a aplaudir e gritar palavras de incentivo.

Cinco minutos depois ela já estava transpirando. E muito. Mas não importava. O fato do aspirante ficar apenas na defensiva a estava deixando cada vez mais frustrada. Era como se a estivesse tentando vencer pelo cansaço. Mas ela mostraria para ele do que era capaz! A multidão estava muito animada agora, todos acompanhando atentamente os movimentos e vibrando a cada golpe mais intenso.

Mais cinco minutos se passaram e ela começou a perceber que sua velocidade e eficiência já começavam a diminuir. Esteve mantendo aquele ritmo por tempo demais, estava ficando cansada e controlar a respiração se tornava cada vez mais complicado. Mas agora era questão de honra, iria acertar, pelo menos um golpe naquele ku faraxsaneyn.

Mas o aspirante continuou se esquivando e bloqueando, com a mesma eficiência de antes, apesar de também já dar mostras de cansaço. Valena continuou insistindo, até chegar ao ponto em que não se sentia mais capaz de desferir um único golpe sequer.

Então ela jogou a espada no chão, com força, e apontou o dedo para ele.

– Que wasaarada… é essa? – Estava difícil de falar, a respiração ofegante. – Vai ficar aí… pulando para lá e para cá até quando? Está… fazendo isso… para me humilhar? Se é assim… eu desisto!

A multidão, que já estava fazendo a maior algazarra, agora estava em delírio total. O barulho de palmas, gritos e assobios era quase insuportável.

Evander abriu a boca para dizer alguma coisa, mas de repente pareceu perder o equilíbrio e caiu de cara no chão, fazendo Valena, devido ao susto, dar um pulo nada elegante para trás e levar a mão ao peito.

O capitão Joanson correu até o aspirante e o examinou com atenção, antes de dirigir um sorriso tranquilizador a Valena e se levantar, fazendo um gesto para que alguns soldados se aproximassem. Enquanto Evander era carregado para dentro do palácio, o capitão anunciou para a multidão que, como ambos os oponentes não estavam mais em condições de prosseguir, estava declarado o empate.

A multidão vibrou ainda mais do que antes, se é que aquilo era possível.

Valena, no entanto, sentia na boca o amargo gosto da humilhação. Sentia-se como se estivesse sido exposta e todos agora pensariam no quão incompetente ela havia sido. Para piorar, não conseguia deixar de se lembrar de algumas das palavras que Leonel Nostarius tanto repetira para ela nos últimos meses.

Avalie seu oponente, saiba contra quem está lutando, descubra o que ele está pensando, o que está querendo, o que está sentindo. A diferença entre a vitória e a derrota muitas vezes é tênue.

Se a intenção do capitão tinha sido de lhe ensinar uma boa lição, ele tivera pleno êxito.

Mas não houve nenhuma recriminação da parte de Dario Joanson. Com um sorriso que poderia ser tanto de orgulho quanto de divertimento, ele a parabenizou pela performance e a incentivou a agradecer à multidão. Então ela se forçou a sorrir e a acenar para o público, antes de voltar para a tribuna.

Para sua surpresa, a princesa Joara ignorou completamente o fato de Valena estar toda suja e suada e correu na direção dela, abraçando-a apertado.

– Meus parabéns! Foi uma luta emocionante! Você tem muito talento com a espada.

O sotaque da outra estava ainda mais acentuado, devido à óbvia excitação com a batalha. E a julgar pela maciez do volume que foi pressionado contra seu peito, Valena deduziu que a naaso weyn não precisava usar nenhum tipo de enchimento artificial ali.

– Não o suficiente – admitiu, a contragosto. Tinha sofrido um golpe e tanto em seu orgulho, e tomar uma consciência ainda maior dos atributos físicos da princesa não estava ajudando em nada. – Mas pode apostar que vou melhorar.

Joara se afastou e a encarou, rindo.

– Ora, não seja modesta. Você saiu de lá andando, ele não!

– Isso não é lá um grande consolo – Valena resmungou.

♦ ♦ ♦

Dois homens encapuzados correram pelo corredor escuro até toparem com uma porta. Um deles segurava uma tocha, e usou a luminosidade dela para examinar a fechadura. Concluindo que não estava trancada, tentou empurrá-la, mas a pesada madeira nem se moveu.

De repente, uma voz zombeteira chamou a atenção dos dois.

– Ei, perdedores!

Instintivamente, ambos se voltaram na direção da voz e foram imediatamente alvejados no peito, um deles por uma flecha e o outro por dois punhais. Soltando gemidos abafados, ambos desabaram no chão.

– Nada mal – elogiou o aspirante Alvor Sigournei, baixando seu arco e sorrindo para a subtenente Loren Giorane.

– Você também está melhorando. Com mais um pouco de prática, sua mira poderá até ser considerada “razoável”.

O barulho de solas de botas militares se chocando contra o chão de pedras denunciou a aproximação da capitã Laina Imelde, que era seguida de perto pelos outros dois membros da equipe, o sargento Benarde Parentini, vulgo Beni, e o aspirante Iseo Nistano.

– O que temos aqui? – Laina perguntou.

– Derrubamos os dois últimos, capitã – respondeu Alvor, usando uma ênfase irônica ao pronunciar a patente dela.

Loren recolheu do chão a tocha que o invasor tinha derrubado ao cair e examinou a porta.

– O caminho para a torre da imperatriz está bloqueado. Será que foram os guardas quem fizeram isso?

Alvor se ajoelhou ao lado do homem que tinha alvejado e percebeu que ainda estava vivo. Então agarrou a flecha fincada no peito dele, sacudindo-a de leve. O homem soltou um gemido agoniado.

– Sei que você pode me ouvir, camarada, e se quiser que esse suplício termine, é melhor abrir logo o bico. Qual é o motivo desse ataque? Não vá me dizer que vocês acreditavam mesmo que conseguiriam chegar até a imperatriz?

– A… vadia… já está… morta…

– Como é que é?!

– Nosso… melhor homem… já deve estar se… divertindo com ela… há muito tempo…

Alvor e Loren se entreolharam, surpresos, mas ao virem Beni vir correndo com tudo na direção da porta eles trataram de sair da frente. Houve um pequeno estrondo quando o ombro dele se chocou com a madeira com toda a força, mas a porta aguentou firme. O sargento precisou dar um passo para trás para recuperar o equilíbrio, antes de se virar para a capitã.

– Está escorada por trás. Isso vai levar algum tempo. Iseo, me ajuda aqui!

– Por que essas coisas sempre acontecem nas nossas noites de folga? – Iseo reclamou, se adiantando enquanto sacava seu martelo de batalha.

– Loren! – Laina disse, apontando para a janela do corredor.

Sem perder tempo, a subtenente entregou a tocha para Beni e correu até a janela, removendo a pesada trava que a mantinha presa e a abrindo, apressada. Então saltou para fora, caindo em uma espécie de varanda, e olhou para cima, avaliando o paredão de pedra sólido da parte externa da torre.

– O que acha? – Alvor perguntou, saltando para a varanda atrás dela.

– Que consigo chegar lá em cima antes de você.

– Vai sonhando – ele respondeu, passando a cabeça e um dos braços por dentro do arco, de forma que o cordão ficasse de atravessado em seu peito.

Determinados, ambos começaram a escalar.

♦ ♦ ♦

Valena deu um passo para trás quando seu visitante indesejado jogou a tocha sobre a cama. Os lençóis e o dossel imediatamente começaram a queimar, levantando labaredas e fumaça. Por um breve instante, as chamas foram fortes o suficiente para ela ter uma visão clara do rosto dele. E percebeu que era um rosto que havia admirado bastante, quando o viu pela primeira vez, tanto tempo atrás.

– Eu conheço você. É de Chalandri, não é? Você é um dos guardas da princesa Joara Lafir. Achei que estavam todos mortos. O que quer?

Ele pareceu surpreso.

– Se sabe quem eu sou, então também deve saber o que eu quero.

O sotaque dele era bem menos pronunciado do que o de Joara, tanto que era até difícil de perceber.

– E por que eu saberia?

O homem lhe apontou a espada.

– Não tente me enganar. Você se apoderou do Furacão do Deserto. Eu o quero de volta.

– E que khiyaanada seria isso?

– Eu sei que está em seu poder – gritou ele, brandindo a espada. – Me diga onde está!

O fogo e a fumaça pareciam aumentar cada vez mais. Concluindo que se continuasse por ali por mais tempo morreria sufocada ou queimada, Valena chutou um banquinho de madeira na direção do homem e, aproveitando o pequeno instante de distração, lançou-se sobre ele, derrubando-o para trás e caindo sobre ele.

Os dois lutaram durante algum tempo, até que ela conseguiu fazer com que ele soltasse a espada, que rolou para baixo da cama em chamas.

Desvencilhando-se, ela se levantou e correu para fora, respirando com alívio o ar puro ali de fora. Era possível ver as luzes da cidade pelas janelas, mas o palácio estava mergulhado na mais completa escuridão. Haviam dois corpos no chão ali perto, provavelmente dos soldados que deveriam estar de guarda ali fora.

Avalie seu oponente.

Suspirando, ela virou-se para encarar o invasor, que corria na direção dela.

– Foi a princesa quem enviou você?

Ele parou e a encarou. Valena poderia jurar que ele franzia o cenho, apesar de não dar para ver muito bem por causa da pouca luminosidade.

– Qual é o seu problema? Por que finge que não sabe de nada?

– Não estou fingindo. Você disse que está procurando por algo, por que não me explica do que se trata? Talvez eu possa ajudar você.

– Está tentando me confundir para ganhar tempo.

– Estou tentando é entender que qeylinta está acontecendo aqui! Você invade meus aposentos, me acusa de estar de posse de algo que lhe pertence, coloca fogo no meu quarto e tenta me matar. Qual a lógica de tudo isso?

– Você destruiu o farol!

– Farol? Se refere àquela torre de pedra onde se abria um dos portais para Chalandri? Não fiz nada disso. Por que o faria? Tinha até prometido a Joara que passaria um fim de semana com a família dela.

– Está falando sério? Você é mesmo Valena Delafortuna?

– Claro que sou, não está me reconhecendo? – Ela apontou para a face direita, onde ficava a marca da Fênix. – Não está vendo isto aqui?

Nesse momento, as luzes dos candelabros começaram a emitir um brilho tênue, indicando que o que quer que tivesse neutralizado o campo místico dentro do palácio estava perdendo o efeito.

O homem resmungou alguma coisa e correu para a varanda, saltando por sobre o parapeito.

Valena correu atrás dele e olhou para baixo, a tempo de vê-lo cair lentamente, obviamente com o auxílio de algum encanto místico, na direção do muro externo do palácio. Sua silhueta era facilmente visível por causa dos inúmeros pontos brilhantes dos postes com luz contínua que iluminavam a cidade.

Sentindo seus poderes retornando, ela começou a invocar a forma da Fênix para ir atrás dele, mas se interrompeu ao ouvir uma voz atrás de si.

– Alteza, não!

Virando-se, ela viu Loren e Alvor correndo na direção dela, esbaforidos.

– Não vá atrás dele, pode ser uma armadilha – disse o aspirante.

– Ele me atacou! Preciso descobrir o que ele queria – disse Valena, afastando-se para o lado enquanto os dois saíram para a varanda.

– Conseguiu chegar na muralha – constatou Loren, olhando através de uma luneta que havia tirado sabe-se lá de onde. – Está saltando para fora.

– Conseguiu uma leitura energética? – Alvor perguntou.

Loren virou a luneta de lado e a analisou por um instante.

– Acho que sim, mas é muito fraca, essa coisa ainda não está funcionando direito por causa do campo de expurgo.

Nesse momento, Laina Imelde surgiu no corredor, seguida por Iseo, Beni, e pelo que pareceu uma infinidade de outras pessoas, a maioria soldados, incluindo o comandante da guarda do palácio.

Valena se adiantou na direção deles.

– Capitã, um invasor acabou de fugir saltando a muralha do palácio. Seus subalternos conseguiram uma leitura. Quero aquele homem capturado. Imediatamente!

Ante o olhar questionador da capitã, Loren e Alvor assentiram.

– Vamos! – Laina chamou a sua equipe, virando-se e correndo na direção da escadaria, no que foi seguida pelos quatro.

Valena olhou para os inúmeros rostos familiares que a encaravam. Alguns dos recém-chegados estavam cuidando dos soldados caídos que, graças aos céus, pareciam estar vivos.

– Muito bem, agora que tal alguém me esclarecer que raios aconteceu aqui?

O comandante exclamou:

– Alteza, o chão!

Ela olhou para baixo e percebeu que as pedras começavam a exibir um brilho azulado. Tratou então de se afastar, junto com os outros, a uma distância segura, enquanto o brilho formava uma espécie de círculo, que se elevou no ar, se transformando em uma esfera brilhante, que se dividiu em cinco, cada uma delas perdendo o brilho enquanto assumiam a forma de pessoas.

O olhar de Valena imediatamente se fixou no mais alto e mais musculoso de todos. Quando o brilho se desvaneceu a ponto de ela reconhecer aquele rosto, nem se importou em ver quem seriam os outros. Correu e se atirou nos braços dele, abraçando-o com força pelo pescoço.

Depois de se recuperar da surpresa, Valdimor a abraçou também, chegando a fechar os olhos enquanto encostava o rosto nos cabelos dela.

Os outros quatro recém-chegados tiveram reações distintas. Daimar Gretel e Cariele Asmund trocaram um sorriso. Gram correu na direção do quarto de Valena, tratando de ajudar os soldados que tentavam apagar o fogo. Sandora se adiantou e pôs uma mão nas costas de Valena.

– Sinto muito pela demora. As pontes de vento não estavam funcionando.

– Havia um campo de expurgo cobrindo todo o palácio – explicou o comandante da guarda.

– Eu disse que o problema não era com os seus poderes, não disse? – Cariele falou para Sandora. – Gastamos um pergaminho de teleporte à toa.

Valena tinha apenas uma vaga noção do que acontecia a seu redor, enquanto estava mergulhada no calor e na solidez daquele corpo masculino. Ver-se sozinha, acuada e sem poderes a havia assustado muito mais do que tinha se dado conta. Suas pernas estavam tão trêmulas que duvidava de que conseguiria ficar em pé sem ajuda.

– Não vou mais sair de perto de você – ele sussurrou em seu ouvido. – Ninguém nunca mais irá molestá-la, além de mim.

Aquilo a fez soltar uma risada divertida, o alívio a percorrendo tão rápida e intensamente como a água da chuva apagando a poeira do solo seco. Sem conseguir se conter, ela inclinou a cabeça para trás e segurou o rosto dele com as duas mãos por um momento, antes de beijá-lo nos lábios.

O encanto do momento foi quebrado pela voz preocupada do governador Leonel Nostarius, que veio correndo, seguido por Luma Toniato.

– Alteza!

Ela se virou e percebeu que ele não trazia notícias boas.

– O que houve?

– O ataque ao palácio e a tentativa de chegar até esta torre foi apenas para nos distrair, enquanto um outro grupo invadia os aposentos subterrâneos.

Valena piscou, confusa.

– As masmorras? Espere! Eles libertaram Radal e Odenari?

– Sim. Mas eles também levaram…

– A armadura do Avatar – interrompeu Sandora.

– Isso mesmo – ele confirmou.

– Vamos descer lá agora mesmo e fazer uma varredura – disse o comandante. – Podemos rastreá-los e mandar tropas atrás deles.

– Não se dê ao trabalho – disse Sandora. – Eu sei como encontra-los.

– Sabe? – Valena perguntou, totalmente alheia ao fato de Valdimor a estar abraçando por trás, numa demonstração pública de intimidade que a deixaria vermelha, caso se desse conta.

– Tem certeza que o campo de expurgo afetou o palácio inteiro? – Sandora perguntou ao comandante.

– Sim, senhora, nós verificamos. As luzes sobre a muralha se apagaram em toda sua extensão, assim como as de todas as torres.

– Não sei se eles foram descuidados ou simplesmente não se importam – disse Sandora, virando-se para Cariele. – Mas deve ser bem simples determinar a origem de um fluxo energético intenso o suficiente para mover um volume tão grande do campo místico, não?

A esposa do Dragão assentiu.

– Sim. Principalmente porque isso é uma realização de níveis épicos. Nem mesmo se fosse possível usar o fluxo energético gerado por uma pessoa durante toda a sua vida daria para abrir um buraco tão grande no campo. Deve ter sido usado um artefato muito poderoso, algo fora das escalas. Algo capaz de mandar esse palácio inteiro pelos ares.

– Não – contrapôs Sandora. – Explodir o palácio seria muito mais simples. Isso não faz sentido. Se tinham um poder como esse à disposição, por que não o usaram antes?

– Que tipo de artefato poderia ser esse? – Daimar Gretel perguntou à esposa.

– Nem imagino.

– Mas eu, sim – disse Valena, com um suspiro, enquanto se desvencilhava do abraço de Valdimor, atraindo todos os olhares para si. Ela encarou Leonel. – A Godika Geonika.

Luma se encolheu quase como se tivesse tomado um choque ao ouvir aquele nome. Muito sério, Leonel colocou uma mão confortadora no ombro da companheira antes de olhar para Valena e assentir.

– O que é isso? – Sandora quis saber.

– É como os conselheiros gostam de chamar o artefato que eles dizem que possuem – respondeu Valena. – O nome vem de uma antiga expressão lemoriana que quer dizer algo como “o matador de deuses”.

— Fim do capítulo 15 —
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