Publicado em 01/12/2018 | ||
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19. Ponta de Lança
Confusa, assustada e sentindo dor e ardência por todo o corpo devido às queimaduras e ao trauma sofridos, Valena olhava a paisagem a seu redor, enquanto tentava recuperar o fôlego. A ponte de vento a tinha enviado para um local remoto, uma espécie de ilha isolada entre dois braços de um grande rio. Completamente alheia à beleza natural do lugar, ela cruzou os braços, abraçando o próprio corpo enquanto lutava para controlar a respiração, sentindo o coração bater, descompassado, em seu peito.
Ela olhou para baixo e percebeu imediatamente que aquela tinha sido uma viagem só de ida: a plataforma estava perdendo a cor esverdeada rapidamente, o encantamento místico se dissipando e fazendo com que as pedras voltassem a assumir seu aspecto natural. Não poderia voltar ao palácio através daquela ponte. E, da mesma forma, ninguém seria capaz de segui-la, seja lá onde for que estivesse. Mas, no estado em que se encontrava, saber daquilo não era, nem de longe, suficiente para lhe acalmar os nervos e ela tratou de sair correndo, tentando colocar a maior distância possível entre ela e a plataforma. A pesada armadura metálica que usava de repente lhe parecia claustrofóbica.
Cansada e ferida, não se sentia em condições de enfrentar outra batalha, a mera ideia lhe causando um arrepio de medo e apreensão. Que qeylinta tinham feito com ela? Nunca se sentira daquele jeito antes. Fraca. Impotente. Patética.
Mas então, como se para zombar de seu precário estado emocional, uma figura grande e peluda saiu de trás das árvores, se colocando em seu caminho. Do lado dela apareceu outra e depois mais outra.
Valena parou e ficou estudando as monstruosas criaturas por algum tempo, o coração martelando no peito. Subitamente sentiu uma vontade quase incontrolável de rir. Seria aquilo algum tipo de sonho? Estaria ela deitada em sua cama na torre? Fazia mais sentido do que ter sido quase morta por um dos conselheiros imperiais, depois por uma cópia de si mesma, e agora estar encarando o que pareciam ser três gigantescos ursos dotados de chifres e dos maiores dentes e garras que ela já tinha visto.
Um dos monstros soltou um urro feroz e avançou na direção dela, atacando com uma das garras. Valena tentou se esquivar, mas não foi rápida o suficiente e foi atingida, o peitoral metálico sendo rasgado como se não fosse mais do que um tecido velho. Uma dor forte a assolou e ela caiu para trás, instintivamente levantando uma das mãos e invocando um leque de chamas na direção da criatura. Ela ficou surpresa consigo mesma por conseguir encontrar energia para fazer aquilo.
O monstro tentou usar as garras para se proteger e urrou novamente, ao sentir os pelos de suas patas começando a queimar. Num ato instintivo, ele se jogou no chão e começou a rolar sobre as folhas secas, tentando apagar o fogo, enquanto os dois companheiros dele assistiam à cena, parecendo confusos.
Depois de se arrastar um pouco pelo chão, na tentativa de se afastar daquela cena o máximo possível, Valena se levantou com dificuldade, sentindo o cheiro de fumaça dominar o ar. Na tentativa de apagar o fogo do próprio corpo, o monstro tinha incendiado as folhas secas, que agora começavam a arder, as chamas se espalhando rapidamente. Desajeitadamente, ela tratou de sair correndo, com a máxima velocidade que seus músculos exauridos lhe permitiram. Os monstros rugiram novamente e saíram em disparada atrás dela, tendo o cuidado de evitar a área em que o fogo consumia folhas e galhos secos. Aquilo deu alguns segundos de vantagem para Valena, mas nem de longe o suficiente.
À direita dela havia o rio. Talvez conseguisse fugir, se pudesse atravessar para o outro lado, mas tinha certeza que não teria forças para nadar, ainda mais vestindo aquela armadura. Seu peito doía para jiniyo. Olhando para baixo ela viu o sangue escorrendo, abundante, pelas frestas da armadura onde as garras a haviam atingido. Não conseguiria se manter em pé por muito tempo. Fugir não era opção.
Suas pernas não muito firmes a levaram até a base de um barranco e ela olhou para cima. A encosta rochosa tinha quase dez metros de altura. Provavelmente ela conseguiria escalar, se tivesse tempo para isso. Mas os rugidos e os passos atrás dela lhe diziam que aquilo também não era uma opção.
Ela então fechou os olhos e expirou com força, tentando mais uma vez invocar a forma da Fênix. Ela havia tentado aquilo pelo menos umas cinco vezes desde que aquele homenzinho lhe roubara os poderes, sem sucesso. Felizmente, parte da sua energia já tinha retornado e as asas flamejantes surgiram em suas costas.
O barulho de passos parou e ela concluiu que os monstros deviam ter se assustado ao ver o fogo. Mas não havia tempo para olhar para trás. Ela moveu as asas com o máximo de força que conseguiu e viu o paredão rochoso se movendo para baixo, enquanto ela ganhava altitude. Infelizmente, ainda estava muito fraca e as asas foram se dissipando. Ela usou suas últimas forças para se propelir para a frente quando chegou ao topo do barranco e caiu, rolando pelo chão pedregoso.
Com dificuldade, ela se sentou e desprendeu o peitoral da armadura. O corte era profundo. Tinha que dar um jeito nele. Rápido. Ela olhou para as próprias mãos por alguns instantes, avaliando a energia que ainda lhe restava. Habilidades de cura não faziam parte dos poderes concedidos pela Fênix. Só tinha uma coisa que poderia fazer.
Ela pegou um galho seco do chão e o colocou entre os dentes.
Os gritos de dor que ela soltou nos instantes seguintes puderam ser ouvidos por toda a floresta.
♦ ♦ ♦
De alguma forma, Valena conseguiu encontrar uma cabana escondida entre as árvores. Desesperada por um abrigo, ela não pensou duas vezes antes de se aproximar da construção feita de toras rústicas de madeira e forçar a porta, que se abriu, mostrando um interior bem cuidado. Alguém devia morar ali. Não que aquilo importasse no momento.
Ela tratou de entrar na construção e trancar a porta, dirigindo-se às janelas e garantindo que estivessem todas bem fechadas. Então ela ficou olhando ao redor, tentando acostumar os olhos à penumbra. Raios de sol entravam por algumas frestas na parede, iluminando de forma suave o ambiente, onde havia uma pequena lareira, um armário com potes e panelas, uma mesa, um pequeno banco e uma plataforma de madeira sobre a qual havia um modesto colchão de palha.
A cama improvisada a atraiu com uma força irresistível. Com uma careta de dor, ela se deitou sobre o colchão e fechou os olhos, soltando um suspiro. Os ferimentos em seu peito estavam cauterizados e não sangravam, mas o desconforto era grande. Mal conseguia mover o braço esquerdo sem sentir pontadas angustiantes.
O que, afinal, estava acontecendo? Teriam mandado ela para aquele local para morrer? Estaria a coronel Dinares recebendo ordens dos conselheiros imperiais? Em quem poderia confiar? O que faria agora?
Apesar do desconforto, o cansaço acabou vencendo e ela caiu no sono. Quando acordou a tarde já tinha chegado ao fim.
Explorando o armário, ela encontrou comida e água, mais uma prova de que alguém devia viver ali. Ela então tratou de matar a fome e a sede, antes de voltar a se acomodar sobre o colchão e cair novamente num sono profundo.
No dia seguinte, acordou sentindo-se melhor. O peito continuava doendo absurdamente, mas ao menos a fraqueza que tinha abatido sobre ela quando o homenzinho a tocara havia desaparecido.
Depois de uma breve escapulida para fora da cabana para atender o chamado da natureza, ela fez mais uma inspeção no interior da construção e encontrou algumas roupas, além de uma velha cota de malha, botas e um elmo aberto. Surpreendentemente, tudo ali era de seu tamanho e ela pôde se livrar da armadura e das roupas queimadas e ensanguentadas que estava usando.
Com medo de ser reconhecida, ela enrolou uma faixa na cabeça, de forma a esconder sua face direita, dessa forma ocultando a marca da Fênix. A atadura era desconfortável e precisava ser ajustada constantemente para não cobrir o olho, mas ao menos manteria sua identidade em segredo caso encontrasse alguém.
Nos potes ela encontrou também um malcheiroso unguento medicinal, que tratou de aplicar sobre os ferimentos do peito. Aquilo pareceu queimar a pele, mas ela tratou de aplicar uma generosa porção antes de enfaixar tudo, trincando os dentes por causa da dor. Melhor aguentar aquilo do que correr o risco de perder os seios, já que o monstro havia feito cortes profundos na parte superior deles.
Vestindo a cota de malha, que era um pouco mais leve que a armadura, ela se sentiu pronta para sair dali. Mas então um brilho no canto chamou-lhe a atenção e ela se aproximou, encontrando uma espada longa, velha e gasta, mas bem cuidada e afiada.
Decidindo levar a arma consigo, ela saiu da cabana. E deu de cara com os monstros que a haviam atacado no dia anterior.
O ferimento em seu peito doía e ela mal conseguia mover um braço, mas o sono e a comida haviam lhe restaurado boa parte de suas energias. Quando os monstros atacaram, ela não teve nenhuma dificuldade em invocar sua lâmina flamejante e suas habilidades de aumento de força. Em poucos minutos, as monstruosidades estavam caídas a seus pés, literalmente em pedaços.
Chegando a uma colina, ela olhou à distância e percebeu que o incêndio que havia provocado no dia anterior não tinha se propagado muito, provavelmente devido ao solo pedregoso. Ótimo. Não havia mais nenhum assunto pendente por ali, era hora de procurar por civilização.
Dessa vez foi muito mais fácil invocar a forma da Fênix. Ela sobrevoou o lugar por alguns minutos, até estar certa de que conseguiria manter os poderes ativos por tempo suficiente e então ganhou altitude, afastando-se daquele lugar.
♦ ♦ ♦
Não levou muito tempo para Valena encontrar uma pequena vila. Também não demorou a descobrir que toda aquela região estava sob ataque. Diversas espécies de monstros perambulavam pelas florestas, caçando pessoas e animais.
Juntando-se aos aldeões que lutavam para salvar suas vidas e lavouras, ela se pôs em ação.
Sua vida havia sofrido mais uma reviravolta e ela novamente perdera tudo. Não sabia se algum dia poderia voltar à capital e as dores no peito a faziam imaginar se sobreviveria àquele ferimento. A angústia e a aflição eram insuportáveis e ela se concentrou em fazer a única coisa que podia: matar aquelas monstruosidades e proteger pessoas. Isso lhe dava um propósito e a distraía de seus problemas.
Os aldeões e os poucos soldados que haviam pela região ficaram felizes em ter alguém com as habilidades e o treinamento dela para ajuda-los a enfrentar as criaturas e a fechar os portais de onde elas saíam. O exército não podia mandar mais ajuda para aquela região, uma vez que o fenômeno parecia estar acontecendo em todo o país. A maioria das pessoas fugia para os centros urbanos, mas existiam muitos que se recusavam a sair de suas terras, preferindo ficar e lutar, mesmo que isso colocasse suas vidas em risco.
Valena sentiu um certo alívio quando descobriu que aqueles portais tinham começado a se abrir em todo lugar no mesmo dia em que ela chegou ali. Provavelmente a coronel Dinares não soubesse o que estava acontecendo quando a mandou para aquele lugar. De qualquer forma, ela ficou satisfeita por ninguém a reconhecer com as ataduras sobre o rosto e os cabelos ocultos sob o elmo. Ela foi obrigada a usar a forma da Fênix algumas vezes, mas ninguém pareceu estranhar aquilo. As pessoas por ali estavam acostumadas a ver flutuações místicas, a maioria dos aldeões possuía ao menos um tipo de habilidade especial.
Os aldeões eram generosos e não hesitavam fornecer a ela comida e abrigo. Ela apresentou-se com um nome falso e recusou todos os oferecimentos que recebeu para tratar de seus ferimentos. Não podia correr riscos. Se os conselheiros ficassem sabendo de seu paradeiro, poderiam vir atrás dela.
Assim, Valena prosseguiu naquela cruzada. Quando uma vila estava a salvo, recebiam notícias de ataques em alguma região vizinha e ela tratava se voar até lá. Os dias foram se sucedendo indistintamente e ela perdeu completamente a noção de tempo. Poderiam ter se passado semanas ou meses, ela não sabia dizer.
Em certo momento, as ocorrências de ataques foram diminuindo, os portais parando de se abrir. Em um dia relativamente tranquilo, Valena ouviu uma conversa entre os aldeões. Diziam que a cidade de Aldera havia sido destruída, que uma bruxa havia lançado um encanto que varrera a cidade do mapa, deixando em seu lugar apenas uma enorme cratera.
Imediatamente ela se lembrou de Joara Zafir. A princesa de Chalandri estivera morando em Aldera nos últimos meses.
Tomada por uma intensa preocupação com a amiga e por uma profunda solidão, ela se dirigiu a uma vila que possuía uma ponte de vento. Gratos pela ajuda dela na luta contra os monstros, os aldeões ficaram felizes em providenciar um pergaminho para que pudesse ir para Mesembria.
Ela se dirigiu à ponte com determinação, sem saber que aquela viagem ligaria seu destino de forma inexorável ao da garota conhecida como “a Bruxa de Aldera”.
♦ ♦ ♦
O encantamento que estava impedindo o teto do salão de desabar não levou muito tempo para se esvair. Valena e os outros não tinham ido muito longe quando ouviram o barulho do que parecia metade da construção vindo abaixo.
– Acha que tiveram tempo para tirarem todos de lá? – Sandora perguntou, um tanto ofegante.
Valena olhou para ela de cenho franzido, estranhando um pouco a pergunta. Não era do feitio da bruxa soar hesitante ou necessitar ser assegurada de algo.
– Vai dar tudo certo – respondeu, antes de voltar a analisar os corredores à sua frente. No momento sua preocupação maior era evitar levar a todos para uma armadilha. Se é que aquilo era possível.
Ela se decidiu pelo caminho da direita e começou a se mover para lá quando percebeu que os outros não a acompanhavam. Virando-se, ela viu que Gram estava parado diante de Sandora, com uma das mãos enluvadas levantada na direção do peito dela, num gesto que indicava que não queria que ela prosseguisse.
– O que está havendo? – Falco perguntou, vendo a bruxa franzir o cenho para a morta-viva.
Valdimor olhou para Gram durante um momento e depois voltou-se para Sandora.
– Você sente dor. – O tom dele era quase gentil, algo que podia ser considerado surpreendente e inesperado, vindo de uma criatura que saíra do próprio inferno.
– Esqueça, estamos perdendo tempo – retrucou ela.
– Você está bem? – Valena perguntou, se aproximando. Sandora trincou os dentes, como se os olhares de preocupação que estava recebendo estivessem aumentando seu mal-estar.
Atrás deles, o pelotão de soldados que os acompanhava também havia parado, lançando-lhes olhares de curiosidade e confusão.
– Não é hora para isso – Sandora disse, por entre os dentes. – Eu venho sentindo dores há meses, não há nada que ninguém possa fazer. – Ela olhou para Gram, claramente lutando para se acalmar. – Minha aura de proteção é nosso maior trunfo aqui, não posso voltar agora. Vamos apenas terminar logo o que começamos, está bem?
Apesar de o volume do ventre de Sandora ter aumentado muito pouco desde que a conhecera, Valena sabia que ela já estava em meados do oitavo mês de gravidez. E uma gravidez muito perigosa.
Se não estivesse tão preocupada com a bruxa, Valena teria se surpreendido com a reação da morta-viva, que abaixou a mão e cerrou os punhos, demonstrando contrariedade pela primeira vez desde que a conhecera.
Falco lançou um olhar provocativo a Sandora.
– Me ajude a conseguir o que eu quero, beledana, que eu ponho esse castelo abaixo para você tão rápido que aqueles vermes nem saberão o que os atingiu.
Sandora o ignorou e marchou para a frente, desviando-se de Gram que continuava parada no mesmo lugar.
Sem saber o que dizer, Valena a seguiu.
♦ ♦ ♦
Sentindo uma grande quantidade de emanações místicas, Sandora guiou o grupo até as masmorras. Após derrubarem uma grande porta de madeira, viram-se num salão grande, cercado de celas por quase todos os lados. Colunas de pedra se espalhavam pelo ambiente, sustentando o peso da enorme construção. Pedras de luz contínua nas paredes, colunas e até mesmo no teto alto lançavam uma iluminação suave sobre o ambiente. Raios do sol do fim da tarde podiam ser vistos através de janelas gradeadas que haviam dentro das celas.
Foram saudados por uma saraivada de dardos de gelo. Por puro reflexo, Valena conjurou uma barreira mística de chamas, que neutralizou os projéteis, o calor intenso fazendo com que derretessem no ar.
Gram e Valdimor não esperaram nem mesmo a barreira se dissipar completamente antes de avançarem na direção de onde os projéteis tinham vindo. Entrando no salão, Valena reconheceu as duas conselheiras imperiais.
Pienal usava uma armadura pesada, que fazia com que ela parecesse ainda maior do que seus mais de dois metros de altura, enquanto media forças com Valdimor. Ela tinha uma espada à cintura e bainhas com facas e adagas no peito, coxas e nas botas. Usava um elmo aberto e tinha um pesado escudo preso às suas costas. Valena sabia que ela não usava armas ou armaduras sem encantamentos místicos.
Enquanto os dois gigantes se engalfinhavam, um projétil místico de gelo saía das mãos de Gerbera, atingindo o peito de Gram, que foi arremessada com força para trás. Usando um traje grande e disforme, feito de um tipo grosseiro de tecido, Gerbera não apresentava nem uma fração da sofisticação e elegância que demonstrava na corte. Seus curtos cabelos negros pareciam maltratados e oleosos e suas faces apresentavam manchas de sujeira.
Ambas as ex conselheiras já tinham passado dos cinquenta anos, mas pelo visto, a idade um tanto avançada não havia prejudicado muito suas habilidades de luta. Ambas tinham olhares vidrados, parecendo completamente fora de si. Radal não estava mentindo quando dissera que haviam perdido a razão.
– Tem diversas pessoas presas nessas celas – disse Sandora olhando ao redor, enquanto Falco e os soldados corriam para enfrentar as conselheiras. – Além de diversos artefatos, posso sentir as auras energéticas.
– Deve ter sido aqui que recarregaram a Godika Goenika. Parece que tudo o que Falco disse é verdade.
De acordo com Falco, os conselheiros haviam drenado toda a energia que puderam dos artefatos que roubaram do palácio quando fugiram de lá, logo após a derrota de Narode. E quando viram que aquela energia não era suficiente para recarregar a arma, começaram a drenar pessoas também.
Neste momento, uma figura familiar apareceu por detrás de uma das colunas do outro lado do salão. Valena estreitou os olhos.
– Ajude os outros. Aquele lá é meu.
Reconhecendo o transmorfo que havia derrubado o teto do salão, Sandora segurou Valena pelo braço.
– Não faça nenhuma bobagem.
– Já ouvi falar da estratégia “ponta de lança”?
Sem esperar que a bruxa respondesse, ela tratou de explicar:
– Vou afastar ele daqui antes que derrube o lugar. Enquanto isso, preciso que neutralizem aquelas duas e levem todo mundo para fora.
A bruxa olhou para ela atentamente por um momento, antes de assentir devagar e soltá-la. Valena se sentiu grata quando a outra pareceu dar-lhe um voto de confiança e se virou na direção dos outros, sem dizer mais nada. Sandora normalmente não demonstrava sentimentos como medo, aflição ou preocupação. Aquela gravidez deveria estar exigindo muito dela.
O homenzinho continuava parado na frente do salão. Não dava para ver a expressão dele àquela distância, mas sabia que estava encarando Valena. Tomando o cuidado de esquivar-se de um ou outro dardo de gelo que vinha em sua direção – Gerbera estava conjurando aquelas coisas e lançando-as para todos os lados, como uma maluca –, Valena caminhou na direção dele.
Não demorou muito a perceber que ele segurava alguma coisa nas mãos. Uma espécie de cordão. Olhando para a direita dele, Valena notou uma forma caída no chão. Uma mulher. O cordão estava enrolado ao redor do pescoço dela.
Valena parou imediatamente, seu sangue se congelando nas veias ao reconhecer aqueles cabelos negros e volumosos.
– Joara! – Valena não via a princesa há quase um ano. Ela havia desaparecido junto com a população de Aldera, durante o desastre. A alegria por descobrir que a amiga não tinha perecido se misturou à aflição de vê-la à mercê daquele homem. – O que… o que você está fazendo com ela?!
– Ela não passa de uma inútilll – a voz dele era um tanto aguda e anasalada, e ele falava com um sotaque estranho, esticando desnecessariamente o som do “l”. – Assim como você!
– Eu sou a imperatriz de Verídia! E exijo que você a liberte!
O som da batalha ficava cada vez mais intenso do outro lado do salão, mas Valena se recusava a olhar para lá. Seus aliados com certeza podiam dar conta de duas velhas malucas.
– Você não vai interrferrirr! – O sotaque também era carregado no “r”. – Não agorra, que fallta tão pouca! – Ele olhou para o cordão e soltou um grunhido frustrado, antes de jogá-lo para o lado. – Essa inútill não tem mais nada! Mas não imporrta! A poderr que tenho é suficiente! – Pelo visto, ele também trocava o “o” pelo “a” em algumas palavras. Valena nunca tinha ouvido um sotaque assim antes.
A ponta do cordão caiu sobre o corpo inerte de Joara. Valena sentiu uma onda de alívio ao ver que o peito da princesa se movia devagar. Ainda estava respirando, graças à Fênix.
Assim como fizera antes, no outro salão, o homem pronunciou algumas palavras ininteligíveis, que ativaram seu poder de transformação. Em poucos segundos, ele havia assumido a forma de Valena, usando, inclusive, a glamorosa túnica vermelha que ela havia recebido como presente do imperador Caraman e que ela não conseguira mais encontrar depois que voltara ao palácio após o exílio.
Sua duplicata se concentrou para ativar a forma da Fênix, assim como havia feito naquele dia, tantos meses atrás. Desta vez, no entanto, Valena não estava indefesa ou despreparada.
Quando a transformação terminou, e ele abriu os olhos, Valena já tinha não só ativado os seus próprios poderes, como também havia invocado duas bolas de fogo, que voaram de suas mãos na direção dele em incrível velocidade.
A primeira bola atingiu o peito da falsa Valena e explodiu violentamente, lançando-a para trás e fazendo com que se chocasse com a parede de pedra. Então veio o segundo impacto e uma nova explosão, maior e mais intensa do que a primeira. A parede de pedra cedeu e um enorme rombo se abriu, a farsante sendo arremessada para fora do castelo e caindo em meio aos arbustos e ervas daninhas de um jardim abandonado.
Valena bateu as asas de fogo e dirigiu-se à abertura na parede. Se a forma da Fênix funcionava para aquele cara da mesma forma que funcionava para ela, a maior parte do calor e do impacto devia ter sido absorvida. Aquela batalha ainda estava muito longe de terminar. Na verdade, estava apenas começando.
Joara continuava caída no mesmo lugar, a respiração preocupantemente lenta. Mais uma razão para Valena acabar com aquilo o mais rápido possível.
♦ ♦ ♦
As conselheiras imperiais eram oponentes fenomenais. Gram e Valdimor, apesar de suas notáveis habilidades, estavam em desvantagem contra elas. Falco tinha sido lançado para o outro lado do salão e vários dos soldados imperiais estavam inconscientes.
Após ter sido atingida por um daqueles malditos dardos de gelo, Sandora tentava recobrar o fôlego atrás de uma das colunas. Um movimento lhe chamou a atenção e ela viu Falco forçando as grades de uma das celas. Ela levantou-se e correu na direção dele, tentando evitar se tornar um alvo fácil para Gerbera no processo.
Chegando ao lado dele, ela viu que havia uma espada de lâmina levemente curva em uma espécie de pedestal dentro da cela. Uma emanação mística um tanto fraca, mas bastante incomum podia ser sentida vinda do objeto.
– É isso que você estava procurando?
Ele forçou as grades mais uma vez e soltou um suspiro frustrado.
– Sim! Os malditos colocaram um selo místico na fechadura. Não consigo abrir. – Ele olhou para ela e franziu o cenho. – Ei, você é uma feiticeira, não? Pode abrir essa porta?
– Eles drenaram quase toda a energia desse artefato – respondeu ela. – Não terá utilidade nenhuma.
Ele sorriu.
– Ah, terá sim. Você nem imagina o quanto! Coloque essa belezinha nas minhas mãos, beledana, e essa batalha estará ganha!
Sandora o encarou por um momento, sem saber se aquela forma de tratamento que ele usava com ela era respeitosa ou se não passava de um insulto velado. Não havia absolutamente nenhuma razão lógica para confiar nesse homem. Primeiro, ele tentara assassinar Valena, depois tinha concordado em trair seus antigos aliados sem pensar duas vezes. E não demonstrava um mínimo de remorsos por nada do que fizera.
Mas havia alguma coisa no olhar dele. Uma determinação sofrida, uma vontade, uma necessidade quase desesperada por algo. Uma coisa com a qual ele se importava. Aquilo fez com que ela tomasse uma decisão.
Levantando uma das mãos, Sandora ativou seus poderes, um construto místico em forma de esqueleto humano brotando do chão do lado de dentro da cela. O falso morto-vivo tirou a espada do pedestal e se aproximou de Falco, estendendo-lhe a arma por entre as grades.
Pela primeira vez, Sandora viu o homem sem reação. Ele arregalou os olhos e deu um passo para trás, olhando dela para o construto, nitidamente intimidado, esquecendo momentaneamente de toda a arrogância que havia demonstrado até então.
Sandora adiantou-se e pegou a arma com uma mão, enquanto fazia um gesto com a outra. O construto imediatamente voltou a afundar no chão de pedra, desaparecendo sem deixar vestígios.
Ela brandiu a peculiar espada no ar algumas vezes, experimentando a empunhadura. Era um tipo de falcione, uma arma mais leve do que a tradicional espada longa veridiana apesar de ser quase do mesmo tamanho, e tinha o peso distribuído de forma diferente, o que tornava mais difícil controlar a direção do golpe. Ela podia sentir um resquício de emanação mística na arma, mas não dava para perceber nenhum tipo de gatilho para ativá-la. Parecia estar completamente drenada.
Falco continuava a encarando de boca aberta. Ela olhou para ele, séria.
– Vai querer esta coisa ou não?
♦ ♦ ♦
Tinha ficado claro, logo nos primeiros minutos da luta, que fogo e explosões não os levariam a lugar nenhum, pois Valena e a impostora compartilhavam da proteção divina da forma da Fênix. Então ambas sacaram suas espadas e iniciaram uma espécie de dança aérea enquanto trocavam golpes.
Valena estava pasma. O metamorfo conseguia copiar não só seus poderes místicos, mas também todo o seu treinamento de combate. A sensação de estar lutando consigo mesma era surreal.
No entanto, apesar de ter a sua força e os seus reflexos, logo ficou claro que ele não tinha os mesmos instintos e a mesma determinação que ela. Ele parecia dominar melhor o controle das habilidades místicas, mas no corpo a corpo a vantagem era dela. Não levou muito tempo para que a persistência de Valena levasse a melhor e seu adversário levasse o primeiro golpe, o sangue brotando de um ferimento no lado direito de seu corpo e ensopando o tecido da túnica.
Ele tentou fugir, utilizando os poderes de fogo para tentar manter a imperatriz à distância, mas seus esforços não foram muito frutíferos e ele tratou de mudar de tática, invocando uma bola de fogo com uma pequena variação no encantamento. O projétil explodiu antes de chegar perto de Valena e produziu uma grande quantidade de fumaça. Ela precisou voar às cegas por alguns instantes para sair daquela nuvem negra e poder voltar a enxergar normalmente. Isso foi tempo suficiente para que ele pousasse no solo e ativasse novamente seus poderes de transformação. Quando ela o avistou novamente, não viu mais a si mesma, mas sim a Joara.
– Mas o quê? – Valena exclamou, surpresa, até ver a mancha vermelha no lado direito do corpo da princesa. O homem podia mudar de forma, mas seus ferimentos não se curavam no processo.
Ele então levantou uma das mãos e conjurou uma lufada de vento. A mais forte que Valena já tinha visto. Incapaz de se esquivar a tempo, ela foi jogada para o alto, a uma grande distância, enquanto a figura lá no solo desaparecia.
♦ ♦ ♦
Sandora passou bastante tempo perguntando a si mesma se havia tomado a decisão certa ao entregar a espada a Falco. Os eventos que se desencadearam a seguir foram surpreendentes.
Primeiro, a falcione pareceu recuperar totalmente sua carga mística no momento em que ele a agarrou pela empunhadura. Sandora arregalou os olhos ao sentir a intensidade da emanação mística gerada pelo artefato, algo quase tão intenso quanto o que ela sentira vindo da Godika Goenika.
Segundo: os poderes místicos da arma eram estarrecedores. A arma podia moldar qualquer tipo de rocha ou metal que tocasse. E terceiro: Falco tinha uma afinidade excepcional com a arma e parecia muito familiarizado com os poderes dela.
Ao se aproximar das ex-conselheiras, ele facilmente se protegeu dos dardos de gelo de Gerbera tocando a ponta da falcione no chão e moldando as rochas de forma a criar uma parede de pedra que se projetou para cima, pouco à frente dele. Em seguida, ele fez um movimento com a espada e a parede se moveu na direção de Gerbera com incrível velocidade, pegando-a de surpresa, chocando-se contra ela e a arremessando para trás com força, antes de ir diminuindo de tamanho até desaparecer completamente, como se tivesse voltado a entrar no piso. Pienal partiu para cima dele, espada e escudo em punho. Falco girou no ar, desferindo um golpe rápido. A mulher tentou aparar o golpe com o escudo, mas, para surpresa dela, a falcione atravessou o objeto de metal e madeira como se fosse um bloco de manteiga, cortando-o ao meio. A lâmina passou por baixo da mão dela e atingiu-lhe o torso, mas uma vez rasgando o metal da pesada armadura como se não fosse nada. No instante seguinte, o escudo, a armadura e a espada dela começaram a se dissolver, como se fossem gelo derretendo, formando uma poça de metal líquido ao redor dos pés dela.
Enquanto isso, Sandora correu até Valdimor, que tinha um ferimento feio no ventre, sofrido quando ela estava do outro lado do salão. Ela ativou suas habilidades de cura, uma aura negra se formando ao redor de sua mão e se espalhando ao redor do feio corte. Em poucos segundos, a ferida se fechou e ele se levantou. Ao olhar para Pienal, ele não pensou duas vezes e investiu contra a mulher, que agora vestia apenas uma leve túnica de cor indefinida, e a jogou contra o chão. No entanto, mesmo sem as armas e a armadura, a mulher ainda era uma oponente perigosa e os dois rolaram pelo piso, num abraço mortal.
Quando Gram se preparou para correr na direção de Gerbera, que se levantava com dificuldade, Falco levantou a mão.
– Não! Para trás! Ela é minha!
Gram lançou um breve olhar na direção de Sandora, cujas dores tinham piorado consideravelmente, e segurava o ventre. A um leve assentimento dela, a morta-viva correu para ajudar Valdimor.
Ao ver Falco se aproximar dela com um sorriso arrogante, Gerbera pareceu entrar em pânico e se virou, começando a correr e a pronunciar algumas palavras. No instante seguinte, ela se tornava imaterial e atravessava a parede de pedra.
Sem pensar duas vezes, Falco brandiu a espada contra a rocha, que se abriu de repente, formando um buraco em formato elíptico pelo qual ele entrou, correndo atrás da ex-conselheira.
Sentindo-se sem condições de enfrentar outra batalha, Sandora se aproximou dos soldados, que se reagrupavam no canto, enquanto a batalha titânica prosseguia entre Gram, Valdimor e Pienal. Ela tratou de curar os feridos, feliz por não ter ocorrido nenhuma fatalidade. Quando Pienal finalmente foi imobilizada, Sandora mandou que um dos soldados levasse uma algema até Gram, que tratou de prender os braços da mulher com ela, encerrando definitivamente aquela luta.
Os soldados se apressaram a libertar os prisioneiros das celas. Devia haver mais de uma dezena deles, todos inconscientes, cada um em uma cela diferente, deitados no chão como se tivessem sido jogados ali de qualquer jeito. Sandora arregalou os olhos ao reconheceu um deles: Jarim Ludiana, ex membro da Guarda Imperial. Parecia décadas mais velho do que quando ela o vira pela última vez, há pouco mais de um ano.
Sem ter mais nada o que pudesse fazer por ali, Sandora se adiantou até a frente do salão, para averiguar se era seguro sair pelo buraco que Valena tinha aberto. E foi nesse momento que ela foi atacada. Não que ela não tenha sentido uma aproximação, pois sua percepção mística natural era bastante desenvolvida. Mas a dor e o cansaço eram tão grandes que ela demorou demais para reagir.
De repente, mãos invisíveis a agarraram pelos ombros e ela sentiu uma agonia muito maior do que qualquer coisa que havia sentido em sua vida.
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A lufada de vento tinha empurrado Valena para muito longe. Quando finalmente conseguiu recuperar o controle do voo, ela tratou de bater suas asas flamejantes, para retornar ao castelo, mas uma movimentação do outro lado da construção chamou sua atenção.
Uma figura brilhante flutuava no ar, movimentando-se com agilidade enquanto, lá do chão, os soldados imperiais lançavam bolas de fogo que explodiam ao seu redor.
Seria Dantena? Mas ele não tinha esse tipo de poder antes, tinha?
Então, um soldado realizou um salto impossível, de várias dezenas de metros de altura, movimentando-se em um arco pelo ar, como se estivesse sendo atraído para a figura brilhante, mesmo ela tentando se esquivar dele. Os dois pareceram se chocar, ocorrendo algum tipo de reação mística e ambos caíram juntos, se espatifando no chão.
Aparentemente, o exército veridiano tinha as coisas sob controle.
Valena controlou o impulso de voar naquela direção e retornou para o lugar de onde tinha vindo. Aproximava-se do buraco na parede externa quando viu o metamorfo agarrado aos ombros de Sandora, que soltava um grito agoniado.
Gram surgiu correndo, sabe-se lá de onde, e agarrou a bruxa, saindo pelo buraco na parede e carregando-a até um canto afastado do jardim. Enquanto isso, o homem assumiu a forma de Sandora, virando-se bem a tempo de conjurar o ferrão paralisante da bruxa, atingindo Valdimor em cheio, antes que ele pudesse se aproximar.
Valena trincou os dentes. Não podia lançar uma bola de fogo contra o homem, porque poderia atingir Valdimor ou Joara. A ideia de lutar contra alguém com os imprevisíveis poderes de Sandora não lhe agradava nem um pouco, mas mesmo assim ela voou na direção dele, espada em punho.
A falsa Sandora levantou um braço e, de repente, uma infinidade de construtos místicos surgiu, parecendo brotar de sua mão e voando na direção de Valena, em grande velocidade.
O choque dos construtos com seu corpo não provocava dano, uma vez que a forma da Fênix a protegia dos impactos, mas aquelas coisas tinham um efeito desorientador impressionante. Valena acabou perdendo o controle do voo e se chocou com a parede de pedra, antes de cair no chão com um baque surdo.
Ela se levantou e sacudiu a cabeça, abaixando-se para recuperar sua espada, mas nesse momento a falsa Sandora conjurou de novo o ferrão paralisante, que trespassou Valena no peito e a levantou do chão por alguns segundos, antes de desaparecer e fazer com que ela novamente se chocasse contra o solo.
Levou algum tempo até que ela conseguisse recuperar seus movimentos. O calor da batalha e os poderes da Fênix lhe permitiam se recuperar da paralisia bem mais rápido que um humano normal, mas ela não pôde fazer nada enquanto o homem usava os poderes de Sandora para curar seus próprios ferimentos.
Por um momento, o rosto da falsa Sandora se contorceu num sorriso arrogante, mas então dois projéteis místicos a atingiram pelas costas. Ela se virou e encarou os soldados que se preparavam para voltar a ataca-la. Sem dar tempo a eles, ela conjurou o chicote negro e o fez se esticar com força, golpeando os soldados e fazendo com que caíssem para dentro do castelo.
Vendo Valdimor e Gram se aproximarem, ela levantou a mão e lançou o chicote a dezenas de metros para cima, sua ponta se enrolando em uma das ameias da amurada. Então ela começou a escalar, os pés apoiados na parede se movendo numa caminhada desajeitada enquanto o chicote diminuía de tamanho e a puxava para cima.
Valena finalmente conseguiu reunir forças para reativar a forma da Fênix e voou na direção do metamorfo. Não iria deixar aquele jahwareer escapar.
Ainda um tanto enfraquecida, ela demorou demais para perceber que ele não estava realmente fugindo, mas sim esperando que ela se aproximasse dele. O ferrão em forma de cauda de escorpião brotou das pedras da parede e a atravessou quando estava prestes a alcançar as ameias, anulando completamente a inercia de seu corpo e a deixando completamente paralisada no ar por alguns segundos. Então o ferrão se desmaterializou e ela começou a cair.
Teria sido uma queda feia se Gram não a agarrasse no ar. Valena não saberia dizer se a morta viva usara alguma habilidade especial para amortecer a queda, mas o fato é que ela não sentiu nenhum impacto. Na verdade, nem ouviu o barulho. Só sabia que, de repente, estava deitada no chão, olhando para cima – seus olhos eram a única parte de seu corpo que conseguia mexer. Dessa vez, seus poderes não conseguiram protege-la e estaca completamente paralisada.
Conseguiu ouvir a voz cansada da Sandora verdadeira, ordenando aos soldados que tirassem os prisioneiros lá de dentro.
Então um arrepio percorreu todo o corpo imóvel de Valena, como se uma onda de energia perigosa e desconfortável tivesse passado por ela.
Conseguiu mover levemente a cabeça, o suficiente para ver Sandora segurando Gram pelo braço, uma expressão séria no rosto dela.
– Não vá atrás dele! Tire Valena daqui!
A morta viva tentou se soltar, mas Sandora segurou mais firme.
– Você não entende? Foi assim que a tragédia de Aldera começou! O cretino ativou um poder que não pode controlar! Não há nada que você possa fazer, vai morrer se subir lá agora!
Um grande barulho pôde ser ouvido lá de cima e um vento muito forte começou a soprar naquela direção.
– Tirem todos daqui – Sandora disse aos soldados que saíam com os prisioneiros, antes de se voltar para Gram. – Eu tenho que controlar isso. E mesmo que não consiga, posso ganhar tempo suficiente para todos fugirem. Ajude os outros! Preciso que faça isso por mim!
Gram assentiu devagar.
Sandora então a soltou e conjurou seu chicote, escalando a parede da mesma forma que sua duplicata fizera momentos antes, mas com muito mais dificuldade. Valena se sentiu uma inútil ao olhar para ela. Quando aquele homem havia drenado seus poderes, ela havia ficado em um estado lamentável, incapaz de fazer qualquer coisa por um tempo que lhe pareceu interminável. Teria morrido com certeza, se não fosse pelo sacrifício da coronel Dinares. Mas ali estava a bruxa, usando seus poderes numa boa e escalando uma parede logo depois de passar pela mesma experiência. E ainda disposta a encarar o que, até onde Valena sabia, era seu pior pesadelo.
Então, Valena sentiu os braços esqueléticos de Gram a levantando do chão e a levando para longe. Quando finalmente chegaram na ponte de vento que os levaria de volta para casa, Valena conseguiu mover a cabeça o suficiente para dar uma última olhada no castelo, ao longe. Mais da metade dele tinha sido engolfado por uma esfera de energia negra que parecia sugar tudo ao redor para dentro dela, enquanto crescia com assustadora velocidade.
— Fim do capítulo 19 — | ||
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